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O HIP HOP EM MIM
Leitura sobre a origem contextual dos elementos da Cultura Hip Hop

Este artigo trata-se de uma leitura e vivência da prática e transformação revolucionária que o Hip Hop pode causar. Quando cito revolucionária, dialogo com a presença, pois o mesmo socializa e garante direito a fala, sonho e auto estima, num contexto individualista a presença é insurgência, o questionamento é insurgência.

E neste sentido o texto transcorrerá, questionamentos e insurgência. Sempre ouvimos falar que o Hip Hop vem nasce nos Estados Unidos da América e isto vem sendo empurrado “goela abaixo” cada vez que há uma aparição de indivíduos ou individuas na mídia corporativa, sempre exaltando a década de 70 naquele país. É uma inverdade histórica? Sim e não. É importante entendermos que a exemplo do sertanejo universitário a burguesia/capital sempre tenta se apoderar da fala e cultura do povo para entretê-lo enquanto o explora.

Quantos e quantas de nós já não ouvimos falar que ‘Garota de Ipanema’ é a música mais ouvida no mundo? Agora me responda quantas vezes você já ouviu tal canção nas periferias brasileiras? Aqui em Samambaia, na Estrutural ou no Pinheirinho? Historicamente a Bossa Nova é elitista, branca, tão logo é nossa melhor música? Tão logo representa a diversidade brasileira?

Não julgo aqui o mérito da vertente musical, que é brasileira, rica e linda, questiono a apropriação e multiplicação desta verdade pela burguesia, pois ao tempo que a garota de Ipanema, mulher com beleza estereotipada e padronizada, desfila em área nobre de um estado tão plural, mulheres frutas deste mesmo estado são tidas como vadias e pornográficas.

Isto é o mesmo fio condutor que traz os Estados Unidos como berço da Cultura Hip Hop, ou seja, uma manifestação cultural, social e política da juventude – em maioria – negra, pobre e periférica com certeza nasceu no país ou nação mais evoluída do mundo, para não dizer imperialista e genocida.

Entendendo isto como dominação ideológica, partimos para uma análise da origem histórica dos elementos da cultura Hip Hop, nossa dança, nossa música e nossa arte. Esta mesma dominação ideológica cita que o Rap, como por exemplo, surgiu como entretenimento e hoje é plausível a existência de músicas que atuem apenas desta forma e frases como “militar o que” tornam-se coerentes e cada vez mais presentes. A existência hoje de um Rap ostentação, por mais que isto não seja consenso ou discutido parte desta mesma dominação ideológica, parte do processo de alienação histórica, através da mídia burguesa, educação bancária e todo contexto social que a juventude encontra-se incluída. O Rap ostentação é reflexo do consumismo, materialismo e individualismo pregado pelo Capital.

Como percebem dialogaremos com o ou a MC [maestrina ou mestre de cerimônia] que desenvolvem junto aos e as Dj’s [do inglês disk jockey] nossa música: O Rap. Mas antes de entrar no que este texto propõe, cito que não

sou sociólogo, bem como historiador, assim este texto não trata-se de um texto ou verdade cientifica, mas uma leitura e mais que isto um diálogo, não apenas sobre o Hip Hop em mim, mas o Hip Hop em nós.

O Rap tem como berço a Jamaica, uma ilha menor que o estado do Sergipe, com quantidade populacional semelhante a do Distrito Federal. A Jamaica, a reflexo do continente americano fora invadida por navegações europeias e por séculos alimentou a escravidão, tornando-se grande exportadora de açúcar, bem como sua população aborígine, os aruaques foram exterminados.

Em 1670 a partir de um tratado, a Espanha reconheceu a Inglaterra como soberana da ilha, passando a Inglaterra a controlar a escravidão, tornando-se um dos maiores centros de tráfico negreiro para a América do sul, e uma economia fortalecendo-se na produção de cacau e cana de açúcar.

Com a “pressão” para se extinguir a prática da escravidão, num contexto mundial, sobretudo com a proibição do tráfico negreiro e posteriormente a abolição da escravatura na ilha, que ocorreu dentre 1833/1838, ou seja 50 anos antes do mesmo ocorrer no Brasil, a economia, pautada em exploração entrou em crise.

Sem a mão de obra escrava surge alto custo na produção resultando em grande decadência econômica. Assim, a partir de enfrentamentos negros e negras escravizadas, que também se organizavam e lutavam por liberdade, enfim conquistaram em a abolição da escravatura.

Já no século 20, o povo jamaicano passa a lutar por independência, pois ainda era considerada colônia inglesa. É importante resgatar esta história para compreendermos as lutas, o contexto e as pessoas que atuaram e possibilitaram o surgimento do Rap.

Neste contexto de luta por soberania/dominação inglesa o Rap surge, mas é importante ressaltar o grande valor que as musicas populares jamaicanas carregam. Basta olharmos para o Ska, Reggae, etc. e o conteúdo das letras. Ao ouvirmos Prince Buster, nos deparamos com músicas alegres, mas também identificamos conteúdos políticos, discursos e protesto, como por exemplo, em e Judge Dread, onde num aparente diálogo com o europeu opressor diz: “Vocês roubam as escolas das crianças... casa das pessoas. Você atirou em pessoas negras”.

Na década de 50 há a febre dos Sound Systems [sistemas de som], sobretudo nas regiões mais pobres, onde as pessoas não tinha acesso à rádio, como por exemplo. Paredões de caixa de som, DJ’s e Toaster’s [toasting] passam a animar as pessoas em festas populares. Toaster era um adjetivo utilizado para o mestre de cerimônia do Sound System. Aí nascem nossos e nossas MC’s.

Diferente a narrativa que diz que tais MC’s apenas anunciavam atrações da festa ou animavam o público, durante um intervalo da música onde não havia vocalistas, os Toaster’s falavam sobre violência e miséria, bem como sobre a independência jamaicana, conquistada apenas em 1958.

PONTO 1. Ao olharmos para isto identificamos que num primeiro momento a forma de se cantar [canto falado] Rap surgiu num contexto de dominação de uma nação contra outra, onde se protestavam contra isto e todas consequências causadas por esta mesma dominação, utilizando o microfone para tal.

PONTO 2. Neste mesmo contexto temos a presença dos Deejays, elemento fundamental da cultura Hip Hop, propiciando ao povo mais pobre acesso e entretenimento. Ou seja, a nossa musica surge num movimento de descentralização, acesso e luta por independência.

O Rap dialoga com o repente, com o griô africano, com os Ilíadas. É o uso oral para transmitir informações, cultura a outros povos, a outros tempos. Ritmo e poesia [rhytm and poetry] que entretém e proporciona consciência critica.
Partindo desta tradução que resulta na palavra Rap, desembarcamos enfim nos Estados Unidos e nos aproximamos de um adolescente apelidado de Hércules, por sua estatura e consciência acima da média para sua idade. Hércules em inglês é Herc. Sim, estamos falando de DJ Kool Herc.

Herc nasceu na Jamaica em 1955 mudando-se para os Estados Unidos em 1967, aos 12 anos de idade. Já na adolescência entra em uma Crew de grafite onde pela primeira vez assina Kool Herc. Nasceu e cresceu na terra dos Sound System, ouvindo e assistindo os Toster’s e como toda criança passa a imitar as músicas. Convence o pai a comprar um par de toca-discos e começa a apresentar-se em festas escolares.

Com o amadurecimento, estudo e crescimento artístico passa a inserir esse canto falado em suas apresentações, além de popularizar o uso do loop de trechos apenas instrumentais das músicas, sobretudo funk, tais loops serviram de modelo para a criação de nossa música.

Outros contemporâneos a Herc como GrandMaster Flash e Afrika Bambataa tem papéis importantíssimos no Hip Hop, seja na criação do Scratch – técnica usada por DJ’s onde “arranham” vinis com fins a criar sonoridade, seja no batismo à Cultura, unidos seus 04 elementos originais e pautando a organização do movimento, criando a Zulu Nation.
Não irei me ater no que é de conhecimento geral e as especificidades da época, mas destaco alguns pontos.

Primeiro quão simbólico é o fato de um ADOLESCENTE levar a prática do toasting aos Estados Unidos, demonstrando que a música e cultura são ferramentas imprescindíveis de protagonismo e inclusão. Segundo o simbolismo por traz de Scratch.
Quando Herc, diga-se o Rap desembarcou nos Estados Unidos encontrou ali um ambiente de luta por direitos civis e direitos dos negros, luta por superação do preconceito histórico na nação. Em 1966 surgiu o Partido dos Panteras Negras no sentido de organização da comunidade e proteção aos negros e negras vítimas de extrema violência policial, além de inúmeras pautas como moradia decente e educação.

Os Black Panther’s foram fundados a partir da leitura que após escravidão os negros e negras nunca foram detentores e detentoras de liberdade e que, ao contrário, houve crescimento de uma oposição branca emergida através da Klu Klux Klan, e da própria política burguesa [presidência e parlamento] que perpetuavam o racismo.
Linchamentos públicos, incêndios, enforcamentos, estupro a mulheres e homens negros eram cotidianos, sem a efetiva investigação policial, sem condenações.

Havia proibição ao voto, ao trabalho e o livre acesso a ambientes públicos. O caso de Rosa Parks é bastante simbólico, pois traz no ato de não levantar-se de um banco de ônibus, cedendo lugar ao homem e mulher branca, a desobediência e resistência popular como fundamentais num processo revolucionário.
Antes do surgimento do Black Panther’s outras inúmeras lutas foram travadas, importantes organizações foram criadas, surgiram líderes como Martin Luther King Jr. e Malcom X. No ano em que Kool Herc chega ao país haviam mais de 100 rebeliões negras por todo o país.

PONTO 1. O discurso político do Rap, o protesto, a consciência crítica, a denuncia das mazelas sociais e humanas e a auto estima do povo pobre e negro tem como berço este contexto. Quando o toasting chega aos E.U.A é este ambiente de luta e organização do povo que encontra, tão logo o início da música é marcada assim.

No exposto, nossa música Rap nasce da luta do povo explorado pelo grande Capital, nasce da luta por liberdade, por igualdade e equidade.

Quando olhamos para o primeiro Rap gravado no Brasil, o Melô do Tagarela de 1980, falamos de um contexto onde o pais encontra-se sob ditadura militar.

No mesmo período em que o Rap é alimentado e desenvolvido nos E.U.A o Brasil passa por um período de suspensão/cassação dos direitos, da liberdade de expressão, do abuso e da tortura, financiada por este mesmo país.

Com a globalização da mídia corporativa nas décadas de 70 e 80, sobretudo com a TV a população brasileira passa a ser bombardeada por costumes e produtos americanizados que incluíam em seus comercias o Breaking, por exemplo, não por interesse na cultura, mas numa tentativa de cooptação desta juventude negra e periférica que já se organizava. Qualquer semelhança com a mídia brasileira e as relações atuais com o Rap brasileiro não é coincidência.

Voltando ao tema, na década de 70 as manifestações da juventude periférica e negra eram totalmente reprimidas pela Polícia Militar. Rodas de Breaking eram proibidas, dançarinos eram espancados, bailes black’s eram invadidos. A história de luta é contada apenas a partir da ótica de jovens de classe média ou universitários burgueses que lutaram contra a ditadura, a periferia é excluída de qualquer citação, como método de eugenia.
Neste ambiente é impossível afirmar que o Rap no Brasil surgiu como entretenimento ou descontração. O próprio Melô do Tagarela [Miele – 1980] diz:


“A praça é do povo, que ouve de novo
Na face política, a frase tão crítica
E o MDB? Terminou, é Arena [...]
Continua a coisa preta ,
tanta sigla, tanta letra
que o povo esperançoso que só quer voto direto
vai vivendo de teimoso e continua analfabeto.


É fato afirmar que o Rap brasileiro e a cultura Hip Hop surgiu no país como meio de organização da juventude, por mais que não houvesse tal planejamento. E isto se fortaleceu após as repressões policiais. Um ótimo material que acrescenta elementos ao debate é um documentário produzindo pelo grupo Racionais MC’s disponível nos extras do DVD ‘Mil trutas, mil tretas’, também disponibilizado na internet, onde narra a história e importância dos Bailes Black’s, sobretudo nas periferias paulistas.

Eu poderia aqui escrever muito mais, sobre os primeiros álbuns e músicas lançadas desde o Melo do Tagarela, passando por Pepeu e Mike, Vila Box, quando não chamavam de Rap, mas de “Música Break”, Black Juniors e as famosas coletâneas “A ousadia do Rap” e “Hip Hop Cultura de Rua”, Thaíde e DJ Hum, e tantos LP’s das equipes de Som, mas vou partilhar trechos de um Rap gravado em 1989, ‘Tributo ao governo’.

“Tú não faz nada, vai fica parado?
A sua acomodação me deixa revoltado
Ele não quer saber da nossa situação
Já não liga para o povo que não come nem mais pão

Nos juntos talvez podemos resolver
Com força e união tirar eles do poder
Vão saber de quem estou falando
Não me olhe com essa cara, não me fique me perguntando

Eles juntos não sabem governar
Não aguento mais isto tem que mudar [...]
Eu sozinho nada posso fazer
A luta é difícil eu preciso de você

Tu agora não vai me abandonar
Você também está sofrendo e tem que lutar
Ele fica rico com nossa pobreza
E nem se manca mais que tristeza

Nós com fome estamos ficando
Pois os preços todos dias estão aumentando [...]”


Que riqueza esta música nos traz. Antes de refletir sobre a mesma e a conjuntura política no Brasil, cito que escolher um grupo do Distrito Federal foi uma escolha política, pois a leitura que se faz é que o Hip Hop chega ao Brasil através do Eixo Rio-São Paulo reforçando tal centralismo. O Hip Hop chega ao Brasil em um todo, desde 82 haviam dançarinos no Distrito Federal e em estados nordestinos, o próprio Nelson Triunfo teve seu primeiro grupo enquanto morava no Distrito Federal.

Retornando a canção do Baseado nas Ruas, grupo pioneiro o Rap Brasiliense e brasileiro, escrita em 1989, ano de eleições e num contexto em que o país passava por momento de instabilidade econômica e política decorrente de duas décadas de ditadura e falso desenvolvimento. Em 1989 houveram as primeiras eleições diretas após este período, tendo como “principais” personagens o Fernando Collor que mais a frente seria alvo de impecheament e Luís Inácio Lula da Silva.

No início deste artigo citei que esta reflexão, não se trata de um texto científico é muito mais que isto, é um diálogo, não apenas sobre o Hip Hop em mim, mas o Hip Hop em nós.

E o Hip Hop agrega tamanha riqueza e diversidade. Já citamos acima a origem do Rap passando pelo DJ e MC, como já pincelamos algo sobre o Breaking no Brasil. E falando sobre nossa dança, destaco alguns pontos interessantes que me fizeram e me fazem apaixonar-me diariamente por seus passos e manobras.

Hoje o Hip Hop, além do Breaking, Locking e Popping, possui inúmeras outras vertentes da dança, como o freestyle, krumping, dentre outros. Assim eu defendo o termo Dança de Rua como elemento da cultura Hip Hop, diferente a artigos que referem-se ao termo B.Boy como tal. E muitos defendem isto com grande energia, omitindo até a presença de B.girls.

O termo dança de rua dialoga com sua origem. Sabemos, por exemplo, que o Breaking traz em si inúmeros elementos como Capoeira de Angola, artes marciais, ballet, ginástica olímpica dentre outros – e é mais um elemento que não nasce propriamente no E.U.A, e sim nesta construção diversa, complexa e mundial.

Em 1929 houve a tão estudada por nós nos livros de história, Grande depressão mundial. Crise econômica no mundo capitalista que causou alto número de desemprego, quedas na produção mundial e do PIB. A mesma chegou ao fim após a 2ª Guerra Mundial e quando olhamos para a história vimos que o Capitalismo sempre enfrenta suas crises arremessando bombas sobre alguma outra nação, aliás a fabricação e comercialização armamentista gera bons lucros.

Voltando à dança, com crise econômica instaurada e atingindo todos os ramos inclusive artísticos e de lazer, boates e bares têm suas portas fechadas, tão logo demitem seus dançarinos e dançarinas. Nos E.U.A eram conhecidos como Tap Dancer’s. E numa resposta ao desemprego passam a dançar na rua em troca de gorjetas.

Quão simbólico é isto. A expressão Street Dance ou Dança de rua surge a partir de um ato de resistência. A dança no Hip Hop surge a partir da luta contra o desemprego, e mais uma vez nos deparamos com a bagagem histórica e possibilidades históricas que podem ser trabalhadas a partir do Hip Hop em sala de aula, por exemplo. Talvez discutir com estudantes crise econômica não seja tão chato daqui pra frente.

Abrindo um parêntese é importantíssimo que nossas periferias e nosso povo tenha consciência sobre a Economia, pois é a partir das falas não compreendidas na Miriam Leitão que dominam nosso povo. É a partir de um Superávit primário, tão comentado, ouvido, mas não compreendido que o Capitalismo age e gera miséria.

A partir então desta luta contra o desemprego a dança vem sendo acrescida de inúmeros elementos já citados, que passaram pelo Soul e pelo Funk, pela energia e até mesmo a sensualidade destes passos. Chegando a década de 60, jovens dançarinos e dançarinas eram levados para o Vietnã, para combater um movimento comunista que ganhava e disputava poder no país. Sem querer prolongar a discussão, sendo que esta é extremamente necessária e quando este texto estiver sendo lido ou debatido em quaisquer esferas, peço que o façam, é importante salientar que os valores comunistas perpassam na reforma agrária e divisão de riqueza – sendo simplista, e assim, vemos quão sanguinário o Capitalismo é a ponto de gerar guerras contra quem pensa diferente.

Nesta mesma década os E.U.A não pouparam esforços e financiaram inúmeras ditaduras na América Latina, incluindo o Brasil e no restante do mundo. Em nosso país, João Goulart, então presidente, tinha como plataforma de governo a Reforma Agrária dentre outros projetos progressistas, tão logo uma ameaça a burguesia e ao capitalismo, sendo logo instaurada a Ditadura Militar. Jango anos depois “morreu” misteriosamente em exílio.

Identificando estas ações opressoras de seu país, a juventude estadunidense passa a protestar de diversas formas e inclusive através da dança. Agregando ao Funk uma manobra da ginástica olímpica, depois batizada de moinho de vento, um movimento onde os dançarinos e dançarinas rodopiam no chão com as pernas arremessadas ao ar, protestam contra a Guerra do Vietnã, sendo que tal movimento simboliza as hélices dos helicópteros que levavam a juventude para uma Guerra que sequer entendiam.

DESTAQUE: Nossa dança surge num primeiro contexto de luta contra o desemprego. Diferente a outras, agrega valor a sua forma mesclando elementos diversos e isto resulta em protesto. Este elemento da cultura Hip Hop carrega em si a resistência do povo.

E a resistência também é presença em nosso Grafite. Certa vez, durante palestra uma criança me perguntou o porque de ser Grafite se não era feito com lapiseira (risos). Mas aquilo me fez pesquisar um pouco mais sobre a arte.

Lamento, pois hoje isto vem se perdendo. Eu lembro que quando iniciei meus primeiros passos no Rap, não havia uma cartilha obrigando, mas sim uma cultura que dizia que devíamos pesquisar a cultura Hip Hop, conhecer seus elementos, conhecer seus fundamentos. Hoje vejo tantos MC’s e personagens sem conhecimento algum, que apenas soltam rimas descomprometidas.

E foi a partir da fala daquele garoto que eu quis mais, talvez esta inocência resultou neste texto e agora reflito, que este livro só foi possível porque eu quando criança, também questionava muito minhas professoras, na quarta série minhas redações eram as melhores, até que uma professora me apresentou a poesia e hoje estamos aqui conversando através do “Sem rosto, família ou nome”.

Pesquisando sobre o grafite vi que a palavra deriva do latim ‘grafito’ ou seja, escrita em rochas com carvão. Ao pensarmos nisto, nos remetemos a épocas onde desenhávamos em paredes de cavernas as formas como caçávamos como vivíamos.

Parece loucura imaginar isto, mas o grafite tem este mesmo significado e motivo: transmitir uma mensagem, um costume. E como não poderia deixar de dizer, o grafite não nasce nos Estados Unidos é uma contribuição mundial.

Já no início do século XX havia indivíduos e movimentos que lutam no México pelo de direito de arte na rua, onde faziam pinturas nas paredes das casas. Em nosso país o grande Di Cavalcante pintava muros de até 15 metros na década de 50. A partir dos anos 60/70 o uso do Spray tornou-se presente em diversas manifestações, na França e no Brasil. Quem de nós nunca viu a foto com um jovem escrevendo “Abaixo a ditadura”?

Tudo isto contribuiu para a criação deste grafite contemporâneo. Sabemos e louvo aqui a importância do Bronx e Brooklyn para o desenvolvimento da Cultura Hip Hop em todo mundo, pois sendo estes bairros localizados em Nova York, no maior país capitalista do mundo, serviam de reflexo para outras nações.

Finalizando a leitura destaco que o grafite possibilitou e possibilita o acesso à arte de gerações inteiras que foram proibidas de entrar em teatros, em museus ou salas de arte. Possibilitou a utilização de um instrumento antes criado para pinturas/pequenos reparos automobilísticos como ferramenta de arte contemporânea, como ferramenta de acessibilidade a arte e liberdade de expressão.

Que importância isto tem pra nós? Nosso Grafite surge num contexto de multiplicação escrita e artística e saberes, e nos primórdios sistematizando a forma como vivíamos, fazendo memória a nossa história de vida. Milhares de anos a frente, estamos lutando por direito à arte na rua, e mais a frente protestando contra ditaduras e possibilitando acesso a arte, transformando ruas em galerias.

E esta é à força do Hip Hop! Nos move.

Na rede pública de ensino fiquei do ensino fundamental ao médio tentando aprender o verbo to be, numa tentativa de aprendizagem do inglês, que era desastrosa, pois não havia e não há materiais pedagógicos necessários.

Digo isto, pois nossa cultura fora batizada com dois verbos desta língua, To hip e To hop, ou seja, saltar, pular ou mexer o quadril. E isto não tem nada haver com rebolados ou danças.

Quando nos rebelamos, quando enfrentamos a opressão, quando nos levantamos, nós mechemos o quadril. E fica o convite, após ler este artigo ou livro, que não fiquemos mais parados. Que nossa história de vida e arte seja sistematizada cotidianamente, senão escreverão por nós e “Garota de Ipanema” ainda será a música mais ouvida no mundo.

Podemos sim em nossa cultura ter diversas expressões, mas a classe é apenas uma, a trabalhadora.

MARKÃO ABORÍGINE

Rapper e Educador Social
Samambaia, DF.

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