Poesias
COLEIRAS
E nós domesticamos animais
Logo esses animais ocuparam nossos lares
Mas nossos lares foram ficando menores
Menores
Menores
Logo não havia ruas, praças, árvores
Apenas prédios
E os animais domesticados
Tornaram-se animais domesticados sem teto
Os devolvemos as ruas
Agora não enfrentavam apenas pulgas
Mas mau tratos
Carne com veneno e vidro quebrado
Chuva, frio, morte.
E nós ficamos carentes, como pode?
Mas como somos inteligentes, logo criamos o Tamagoshi
E estávamos ali
Demos banho, comida, carinho
Aquecemos durante o frio
A mulher rica logo avisou: não quero mais filho!
Mas logo o Tamagoshi ficou ultrapassado
E fizemos com o animal virtual
O mesmo que fizemos ao animal domesticado
E mais uma vez ficamos carentes, como pode?
Mas como somos inteligentes, criamos o computador, iphone, ipode
É bem melhor! O celular não sente o mau hálito
Ao acordar logo conferimos se tá carregado
Antes mesmo do bom dia
Antes mesmo do abraço
Ainda sonolentos
Mesmos sem o velho e bom alongamento
Daqueles que num passado você se revirava na cama
O seu perfil social, aliás virtual
Lhe afasta de uma face humana
E um dia domesticamos animais
E um dia criamos tecnologias
E hoje em dia
Esta mesma tecnologia, nos domestica
É o beijo no filho trocado pelo computador
É o silêncio infernal de uma viagem no metrô
São as faces em tom azul
Os dedos que deslizam um a um
Num ambiente de isolação e desamor
E um dia tivemos relações sociais
Logo haviam visitas em nossos lares
Mas foram ficando menores
Menores
Menores
Logo não haviam frango frito no domingo
Pular fogueira na festa junina, ter madrinha e padrinho
Adedonha, paredão, pular elástico
Trocar o vale transporte por ficha
O garrafão ou o primeiro beijo sabor salada mista
Mas quem liga?
Melhor compartilhar com o mouse
Do que compartilhar a vida.
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JÉSSICA
Jéssica
Teve tudo que quis, nem tudo precisava
Convite pra balada, aceitava.
Uma latinha balançava
No cartão de crédito uma carreira cheirava
Mas não a carreira que o pai lhe desejava
Seu José foi mãe e pai
criou sozinho
Vaga em escola, fila do posto de saúde enfrentando o frio
Em lan house fez currículo
3x4 tirou
Distribuiu com fé em cada
Agencia do trabalhador
Enquanto isso Jéssica se revolta
Pelo celular presenteado que não era da moda
Quando vai à escola logo o desliga
Faltava aula e lá está Seu José preocupado com a filha
E faz três dias, que não volta pra casa
Na mochila, panfletos e mais panfletos de baladas
Cama revirada
Celular inúmeras chamadas
O pai atende ao som de Ela tá virada
“Ai loirinha, a chola ta pronta
Tem escama, uns lança, maconha
Muito som do bom, funk e muito Rap
Lhe enviei o endereço por SMS”
Seu José não acredita no que ler
Entre a caixa de entrada há vários não lidos:
Cadê você?
Mensagem que ele envia desde sexta
Foi à cômoda e pegou uma caneta
Escreveu o endereço
E foi atrás do amor de sua vida
E grita:
Jéssica minha filha
Responde, por favor, precisa de ajuda
Papai te ama, por favor, me desculpa
Faltou trabalho, foi demitido
Dormiu na rua, sentindo frio
Preocupações e calafrio
Atrás do amor que o mesmo amor lhe omitiu
Jessica
Pela primeira vez chegou em casa
Não tinha café da manhã ou mesa feita
E lá está a mesma preocupada
Pensando no local onde o pai esteja
Pegou o celular leu cada mensagem
Envergonhou-se do pai, de cada bobagem
Tomou coragem e fez à ligação:
Pai cadê você?
Ele atende e diz:
Estou em qualquer lugar, menos no seu coração.
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INVISÍVEIS
Olhe nos olhos
daquele
daquela
Que distribui panfletos
Receba-os
Para aquele
Para aquela
Traz o pão, é emprego
Não vê a criança
Com halls
Chiclé
Jujuba?
Dá importância
Pensa no mal
Sobe o fumê
Chama viatura
Qual a cor
De quem está na rua
Ou limpa o piso
da loja?
Qual a cor
Da sala do Galois,
Da Vinci
ou da Católica?
Metamorfose
Nosso povo
se transformou em:
Homem placa
Mulher placa
Exame admissional
Compro ouro
Dentista-quase de graça
Pra construtora
Balança bandeira
Anuncia suposta promoção
Enquanto é
Afastado para lonas e madeiras
No Entorno da Especulação
Na ficção
A invisibilidade é poder
Heróis e Heroínas
Na nação
A invisibilidade é morrer
Doenças e chacinas
Viu o sanfoneiro?
80 anos
Debaixo do sol
Pele queimada
Perfil brasileiro
Roubado por bancos
Coisa normal
Cena diária:
Sou cego
Mas não me entrego
Canto forró
Toco sanfona em troca de moedas
Futuro incerto
Não nego
Pois quem passa
Também não enxerga!
Resta
Um alerta
O mais difícil é olhar pra si
E se
Foi invisibilizado, invisibilizada
É hora de reagir!
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DUAS CRIANÇAS
Duas crianças se encontraram
Uma dentro, outra fora do carro
importado
Que estava ali sorridente
Havia passeado num natal abençoado
com pai, mãe e parentes
No banco traseiro
Vários presentes
Diversas cores
Fitas reluzentes
No encosto do banco tem até um vídeo game
E ela hipnotizada não desviava o olhar a frente
Mal notou a outra criança
Parada na janela
Que ao ver a cena
Esqueceu a função e ficou alerta
Nunca tinha visto uma tela
Tão pequena
Suspirou um encanto de uma forma tão serena
E enfim as duas crianças se encontraram
Uma dentro e outra fora do carro
Importado
O Local? Precisamente um semáforo
Tão vermelho como o rosto do João queimado
João olhava no carro
como se fosse um espelho
Equilibrava balinhas, chicletes
e um pouco dinheiro
Nos poucos segundos desta cena João sonhou
Com o vídeo game que nunca jogou
Se perguntou
Se eu fosse ele e se ele fosse eu?
O mesmo respondeu
Seria tão bom experimentar o Danone
Sem o gosto azedo, trazido do aterro desde ontem
Fome?
Acho que ele não tem
Problemas?
Acho que ele não tem
Um pai?
Com certeza ele tem
Mas ‘peraí’ pensando bem
Tanto eletrônico pra esse menino brincar
Ninguém olha para ele, ambos no celular
O menino me viu, chamou o pai tocando no ombro
Ele respondeu gritando, quase tive um assombro
O pai dele parece com o meu
Que nesta manhã mesmo me bateu
Pois acordei tarde pra trabalhar
Queria ter um pai que brigasse comigo pra eu estudar
E duas crianças se encontraram
Uma dentro e outra fora do carro
Importado
E mesmo com o fumê se enxergaram
Por alguns segundos se olharam
Davi
Sempre quis brincar na rua
Pensou em pipa quando viu João com aquela roupa suja
Por incrível que pareça tá cansado
De apenas brincar dentro de um quarto
Davi olhava pra fora
Como se fugisse d’uma prisão
Queria jogar bola
Com os pés no chão
Nos poucos segundos desta cena Davi sonhou
Com o banho de chuva que nunca tomou
Se perguntou
Se eu fosse ele e se ele fosse eu?
O mesmo respondeu
Seria tão bom me divertir, com amigos
Sem chegar em casa e ficar de castigo
Amigo?
Acho que ele tem?
Pipas?
Acho que ele tem?
Pais?
Com certeza ele tem
Mas ‘peraí’ não tô vendo ninguém
O que ele faz com doce, balinha?
Batendo no vidro do carro, num calor de meio dia?
Não está com uniforme de escolinha
Qual será a melhor vida, a dele ou a minha?
São apenas crianças
São apenas crianças
Querem pais de verdade
Mães de verdade
Família de verdade
Querem infância!
Duas crianças se encontraram
Uma dentro e outra fora do carro
Por alguns segundos se olharam
E um pequeno sorriso trocaram
Até o sinal abrir
Uma seguir
Outra ficar
Uma para possivelmente se “divertir”
Outra pra trabalhar
Por estes segundos sonhados
Ambas vão apanhar, vão sofrer
Uma por preconceito do pai
A outra por balinha não vender!
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O CAMBURÃO E A SALA DE AULA
O Governo anuncia
Compra de 300 viaturas
Construção de mais 04 presídios
Enquanto isso:
Escolas vazias.
Vazias de que
E não de quem
Pois as crianças nem merenda têm
Nem livro
Nem cadeira
Nem professor
Educadas para quando forem abordadas
Chamarem o polícia de Doutor!
Aliás…
Vivemos num tempo moderno
Viatura tem ar condicionado
Um só clima no verão e no inverno
Mas a sala de aula
Cumpre outra função: de sauna
Graças as paredes de zinco
Governo anuncia
Que hoje as viaturas tem internet banda larga
Enquanto as crianças não tem computador na sala
Mas será que só existem diferenças?
E a proximidade?
As escolas não possuem algemas
Mas também são cercadas por grades
Quem está dentro do camburão tem toda
facilidade
Ticket, bom salário
Se não está de carro, nem no ônibus paga passagem
Enquanto isso professor faz…
Greve, Greve, Greve
Quem educou o policial menos que o policial recebe
E eu?
Ei de viver o bastante pra ver um Brasil com justiça
Onde um professor receba mais que um polícia
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O SILÊNCIO DA VIOLÊNCIA
Nós crescemos achando divertido
A violência entre o Chaves e Kiko...
As agressões que sofrem os professores também tem origem histórica
Lembra-se das palmatórias?
Nossos pais foram educados na violência
Nos educaram na violência
E agora só pedem paciência
Família não existe
Estado se omite
Polícia reprime
O jornal imprime
Mídia faz novela, desenho e filme...
E a toda violência na TV meu filho também assiste!
Onde isso irá chegar?
No crânio quebrado após o soco da menina super poderosa
Violência colorida infantizada em tom de rosa
Nega-se atenção!
Meu filho agora não, estou no computador
Ao filho resta a violenta tela de um televisor
Que neste momento traz o BOPE
Faca na caveira
O violento policial é herói de uma geração inteira
Tá reclamando menino?
Não há diálogo, só castigo
Professor, pai, mãe dizem: Ajoelha no milho
E o estado faz por onde
Desvia
Esconde
Sonega
Criminaliza, mas não cumpre o ECA
Que pra muitos é o responsável
pelo "menor" assassino e que "trampa" no tráfico
Mas cadê o estado que nunca ofereceu escola e flores no parque
Que nunca tratou a infância como prioridade?
Por que do silêncio?
Talvez porque você também é violento
São antônimos: Violência e silencio
A violência física é fruto de outra violência, do pensamento
Ou seja
Da negação ao conhecimento
Das potencialidades não trabalhadas
Da infância sem alimento
Da falta de água
Da água que invade o barraco
Da mulher que não estuda
Não assinou um cabeçalho
Tem o polegar como assinatura
A violência midiática
é só pra silenciar esta verdade a muito escondida...
E você... Se silencia?
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A CAPITAL
Políticos, médicos, arquitetos, burgueses, engenheiros
Confortavelmente conhecidos como pioneiros
Nós?
Pedreiros, serventes, pau de arara, mãos calejando.
Expulsos do centro,
Discriminadamente chamados de candangos.
A eles há o verde, arborização
Local para esporte, diversão.
O nosso verde
há muito tempo utilizado por eles, como lixão.
Possuem praças, jardins.
Irrigados com a mesma água que falta por aqui
Três meninas tomba! Noroeste ergue-se
Cerrado ao chão, condomínio prevalece
Destinação de equipamento público, por lei modificada
Para construção de Shopping na área
pelo parlamentar comprada
Fauna e flora extintas
Menos os animais selvagens da nova câmara legislativa
Lá na capital, eles têm o lago Paranoá para elevar a umidade do ar, facilitando a respiração
Lá na Estrutural, nós temos um lago de chorume que sempre que chove, transborda e invade a casa da população
Quão bom é possuir plano de saúde convênio
Para que nossas crianças não nasçam em corredores
Ou morram nos banheiros
É a falta de leito e higiene misturados a placenta
A capital grita de dor, pede socorro, mas não aguenta
Aqui o natal não tem chester, ceia,
e sim um misto de tristeza e fome
E lá na capital governador distribui panetones
Uma Brasília ora pedindo ajuda, proteção
Uma outra ora agradecendo o cifrão,
o enriquecimento, a corrupção
Brasília é uma festa
Mas poucos comemoram, poucos sorriem
A capital é um filme no cinema
Alguns assistem, enquanto tantos vivem:
De um lado final feliz, de outro trágico.
Eles têm pontos turísticos e aqui pontos de tráfico
Comum entre as Brasílias
Porém eles possuem dinheiro pra pagar a clinica
De recuperação aos seus dependentes
E pra gente
Não há clinica de recuperação pra crianças viciadas,
somente:
rua, redução da maioridade penal, prisão: correntes
E esta gente
Não recebeu convites para a festa!
Há 54 anos catam guardanapos sujos de batom
Do champanhe, restou apenas a garrafa
Enfileirados numa bilheteria... Não do Centro de Convenções
Mas da Rodoviária!
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ALIENAÇÃO EM 42 POLEGADAS
Parei... Olhei pra mim, tive nojo
Peguei-me assistindo ao Pânico e rindo de meu povo
Tornou-se normal, preconceito lidera audiência
Enxergamos defeitos na diversidade ou deficiência
RISOS
Do outro lado 'feliz' comentário do galã das oito
O negro quando dança passar a ser branco
Olhos verdes, louro
Ai vejo que é tudo igual
Não importa o canal
Tanto no pessoal quanto no profissional
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GOTA DE UMA NUVEM NEGRA
Lembro-me do cheiro que exalava a terra seca
Ao ser tocada por uma gota de chuva
Dos cantos dos pássaros que transmitiam
Suas alegrias em forma de música
Vi os animais correndo de um lado ao outro
Juntos como se fosse dança
Nos rachões do chão corriam rios que se encontravam
E desaguavam no mar de minha esperança
O azul belo e triste do céu foi tomado
Por nuvens negras feitas pra chorar
Como um passe de mágica, vi um cinza dá lugar ao verde
A terra virá tapete e eu poder plantar
Num instante vi o mandacaru florar
E o aveloz ter suas forças renovadas
A cacimba foi bebendo e o lamento foi cessado
Em meu telhado: bicas d’água
O barro das paredes de minha morada foi se perfumando
Como se fosse incenso
Ajoelhado à imagem de Cristo menino
Chorei sorrindo em pleno agradecimento.
Pela enxada enlameada
ao cultivar o roçado
Pela cacimba com água
pra dar ao gado
Pelo verde do umbuzeiro
Pela rede e o candeeiro
Um balancear entre afagos
A lenha no quintal encharcada,
não é motivo de lamentação
Prefiro a lenha sem utilidade,
do que tê-la e não ter feijão
Me teto num tem modernidade
Um cheiro no cangote da veia a tarde
Só um ‘radin’ de pilha é diversão
Minha vida é simples, sou trabalhador brasileiro
Pião com jibão tangendo garrote
Chamado de home do campo, valente sertanejo
Pião de boiadeiro, nordestino forte
Minha geladeira é um pote de barro
A água resfria, mas não gela
Se a dispensa estiver vazia, sem prato
Junto uns trocados e vou na bodega
Escambo do norte. Eu troco a saca de milho
Por farinha, sequilho, soda e manteiga
Andando uma légua e logo eu avisto
Que dia de domingo é dia de feira
Engraçado como a chuva nos traz felicidade
Minha parede tem imagem fazendo oração
Mesmo na seca alegria me invade
É a face da esperança e da fé no sertão
Aqui me despeço em verso fazendo reza
Pela prosa singela, milagre e beleza
Pela vida do céu que traz vida a terra
Obrigado pela gota de chuva daquela nuvem negra.
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A LATA
Assim componho
Entre utopias e cicatrizes
Emocionado em cada estrofe
Transformo verso em calibre
Em prol de um povo livre!
Não são notas bancárias
São notas altas na escola
E em provas universitárias
Inspiro-me na favelada
Que cata lata, alumínio
Mais que alimento pra alma,
Busca mudar destino
Imposto pelo esgoto
Que escorre a céu aberto
Por olhar em seu bairro
Não ter escola por perto
Pra estudar?
Mais de uma hora de condução
Mas concentrada, vira as páginas do livro na mão
Ler,
Reler,
Estuda,
Questiona
Hoje a favelada não empunha latas,
Mas um diploma!
É luta!
Não tem nada ver sorte
É assim que se faz reintegração de posse!
É ocupar!
Não apenas preencher espaço
É importante demais que nosso povo pleiteie cargos
Pois é o boy que nunca pisou nesse chão
Que vai atender em Clínica Particular após bater o cartão
E nós, aqui:
Há 10hs na fila da UPA
Sem atendimento
Pois não há seringa ou luva
Então ocupa!
Por direitos, por terra, por vida
Então resista!
Por um teto e moradia
(É necessário) Reintegrar
O povo, a classe, a nós
Multiplicar:
A força, a raiva, a voz
Conquistar
Justiça, a paz, o pão
Vamos lá,
Juntos e juntas, nesta construção!
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TODAS POESIAS SÃO DE AUTORIA DE MARKÃO ABORÍGINE
AO UTILIZAR CITAR AUTOR
CREATIVE COMONS
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